O consentimento nas relações trabalhistas

Rafael
Rafael Susskind
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O uso do consentimento para colaboradores deve ser utilizado com cautela

Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), muitas rotinas e ações antes consideradas normais acabaram recebendo tratamento especial, devendo, assim, receber um cuidado diferenciado como é o caso do uso do consentimento para tratar dados pessoais.

O consentimento é uma das hipóteses autorizativas do tratamento de dados pessoais, o que denominamos base legal, definido seu conceito no artigo 5º, XII da LGPD, qual seja, consentimento é a manifestação livre, informada e inequívoca pelo qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada. A referida lei traz disposições concernentes à base legal em comento nos artigos 7º, 9º, 11, 14, 15, 18, 19, 27, 33 e nas Disposições Finais e Transitórias, o que demonstra a importância de se abordar referida base legal no presente artigo.

O objetivo do artigo não é esgotar toda a explicação de forma detalhada acerca do consentimento, mas sim pontuar seu uso nas relações trabalhistas. Primeiramente, há que se observar a forma como o consentimento deve ser dado, destacando-se que está diretamente ligado à autodeterminação informativa o qual é um dos fundamentos da lei de proteção de dados (art. 2º, II da LGPD). Pois bem, o consentimento deve ser livre, informado e inequívoco, sob pena de ser considerado nulo caso as informações fornecidas pelo titular tenham conteúdo enganoso ou abusivo ou não tenham sido apresentadas previamente com transparência, de forma clara e inequívoca (art. 9º, § 1º, LGPD), e aí está o risco em se utilizar essa hipótese de tratamento para tratar dados pessoais nas relações trabalhistas.

A Lei Geral de Proteção de Dados não trouxe disposição específica quanto ao uso do consentimento nas relações trabalhistas e embora seja claro que toda a disciplina relacionada a esta base legal deve ser aplicada no contexto laboral, há que se mencionar a legislação estrangeira, a fim de que seja levada em consideração, no que couber é claro, quando da avaliação do uso do consentimento em relação aos empregados, lembrando que a legislação brasileira foi baseada no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Tanto na legislação nacional quanto na estrangeira, é certo que o uso do consentimento nas relações trabalhistas envolve um grande risco para o empregador (Controlador dos dados pessoais dos seus empregados).

O Grupo de Trabalho do Artigo 29 (GT29), órgão consultivo criado em razão da Diretiva n. 95/46 da CE que veio a ser revogada pelo Regulamento Europeu (GDPR) já trazia a preocupação o uso do consentimento no tratamento de dados pessoais de empregados, considerando-o problemático pela possibilidade desse consentimento não ser fornecido de forma livre. O documento do Grupo de Trabalho do Artigo 29º, que dispõe sobre orientações relativas ao consentimento no contexto do Regulamento Europeu (adotadas em 28 de novembro de 2017 última redação revista e adotada em 10 de abril de 2018), informa que há desequilíbrio de poder em contexto laboral, nos seguintes termos:

“Também ocorrem desequilíbrios de poder em contexto laboral. Atendendo à dependência que resulta da relação empregador/trabalhador, é improvável que o titular dos dados possa recusar ao seu empregador o consentimento para o tratamento dos dados sem que haja medo ou risco real de consequências negativas decorrentes da recusa. É improvável que um trabalhador responda livremente ao pedido de consentimento do empregador para, por exemplo, ativar sistemas de controlo como a observação do local de trabalho através de câmaras ou preencher formulários de avaliação, sem sentir qualquer tipo de pressão para dar esse consentimento18. Por conseguinte, o GT29 considera problemática a questão de os empregadores procederem ao tratamento de dados pessoais dos seus trabalhadores atuais ou futuros com base no consentimento, uma vez que é improvável que esse consentimento seja dado de livre vontade. Relativamente à maior parte deste tratamento de dados no local de trabalho, o fundamento legal não pode nem deve ser o consentimento dos trabalhadores [artigo 6.º, n.º 1, alínea a)], devido à natureza da relação entre empregador e trabalhador.”

O GDPR traz disposições acerca do consentimento no Considerando 43, que indica que o consentimento não terá fundamento jurídico válido quando houver desequilíbrio manifesto entre o titular dos dados e o responsável pelo seu tratamento; o Considerando 155  informa acerca do direito do Estado-Membro ou as convenções coletivas poderem prever regras específicas para o tratamento de dados pessoais dos trabalhadores no contexto laboral, nomeadamente no que respeita às condições em que os dados pessoais podem ser tratados no contexto laboral, com base no consentimento do empregado, considerando que está em perfeita harmonia com o artigo 88º, o qual destaca a necessidade de proteger os interesses específicos dos trabalhadores e onde é estipulada a possibilidade de existirem exceções na lei dos Estados-Membros. Assim, podemos citar especificamente o tema na legislação portuguesa, qual seja, a LEI 58/2019 que em seus artigo 28º (Relações Laborais), nº 3 dispõe que:

“3-Salvo norma legal em contrário, o consentimento do trabalhador não constitui requisito de legitimidade do tratamento dos seus dados pessoais: a) Se do tratamento resultar uma vantagem jurídica ou económica para o trabalhador; ou b) Se esse tratamento estiver abrangido pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do RGPD.”

A relação entre empregador e empregado é marcada pela vulnerabilidade deste em decorrência da relação de subordinação, podendo se questionar se esse consentimento foi dado espontaneamente. Assim, o empregado terá uma tendência natural em não se recusar a dar o seu consentimento quando for a ele solicitado. De acordo com a eminente jurista Doutora Selma Carloto, a relação de emprego é assimétrica já que tem de um lado o poder empregatício e de outro, a subordinação. Diante do exposto, o desequilíbrio de poder é inerente às relações de emprego. A assimetria existente nessa relação resulta em um medo do empregado ter consequências negativas decorrentes da recusa, razão pela qual, passa a ser improvável que os empregados respondam livremente ao pedido de consentimento (CARLOTO, Selma, Manual Prático de Adequação à LGPD com enfoque nas relações de trabalho. São Paulo: LTR, 2021, pág. 29).

Considerando que a LGPD visa proteger os titulares, sendo o empregado considerado como tal, o tratamento realizado com seus dados deverá obedecer às disposições contidas na lei, salientando, dessa forma, a relação direta com os princípios e fundamentos da LGPD. Para maior segurança do empregador, o ideal é se utilizar de outras bases legais para legitimar o tratamento de dados pessoais de seus empregados como, por exemplo, cumprimento de obrigação legal ou regulatória, execução de contrato, pois, além da criticidade em coletar o consentimento eventualmente passível de nulidade, caso não preencha os requisitos legais também terá muito “trabalho” para gerir os consentimentos obtidos, visto ser do empregador o ônus probatório quanto à perfeita e legal coleta do consentimento (art. 8º, §2º, LGPD).

Destaca-se também que o consentimento poderá ser revogado a qualquer momento pelo titular (empregado), nos termos do artigo 8º, §5º da LGPD, o que confirma ser mais um risco para o empregador no caso do empregado solicitar tal revogação e não ser mais possível tratar os dados pessoais para aquela determinada finalidade. De acordo com o acima exposto, poderá haver a pergunta: Então o empregador nunca deverá se utilizar do consentimento na relação de emprego? É recomendável que não se utilize o consentimento quando for possível adotar qualquer outra base legal. Mesmo porque haverá situações em que o consentimento se fará necessário e, portanto, lícito. Pode-se citar como exemplos da utilização do consentimento a hipótese em que o empregador tiver que solicitar a concordância do empregado em: divulgação de foto/vídeo em campanha de marketing da empresa, para divulgação de sua data de nascimento, em campanhas internas da empresa como dias das mães, dia dos pais, sendo que deverá ser fornecido sempre de forma individual e não coletiva.

Portanto, considerando a LGPD, bem como disposições da legislação europeia que vão ao encontro daquela e que devem servir como base para aplicação da LGPD, o importante é ter segurança e certeza em solicitar o consentimento do empregado para tratamentos de dados pessoais que não decorram diretamente da execução do contrato de trabalho, ou seja, que não estejam dentre as atividades inerentes ao contrato de trabalho. Além disso, ao fazê-lo, coletar somente o que for necessário para atingir a finalidade informada, demonstrando alto grau de transparência, bem como atender toda a disciplina acerca dessa hipótese de tratamento de dados pessoais.

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Janaina Faccion é advogada, DPO certificada pela Itcerts e consultora jurídica da DPO Expert.

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