Introdução
A economia dos dados consolidou-se como um dos pilares centrais da transformação digital, sustentando modelos de negócio baseados na coleta, análise e exploração econômica de informações pessoais. Dados passaram a ser tratados como ativos estratégicos, capazes de gerar valor por meio de publicidade direcionada, personalização de serviços, análises preditivas e compartilhamento com parceiros comerciais. Entretanto, esse cenário impõe desafios relevantes ao direito fundamental à proteção de dados pessoais, positivado no Brasil pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
A LGPD não proíbe a monetização de dados, mas estabelece limites claros e estruturantes para sua realização. Esses limites decorrem da necessidade de compatibilizar interesses econômicos com direitos fundamentais, exigindo que qualquer exploração econômica de dados pessoais esteja juridicamente justificada, tecnicamente segura e eticamente orientada.
A Monetização de Dados como Atividade de Tratamento Regulada
Nos termos do artigo 5º, inciso X, da LGPD, tratamento de dados pessoais compreende toda operação realizada com dados, incluindo coleta, uso, compartilhamento, armazenamento e eliminação. A monetização, seja direta ou indireta, enquadra-se plenamente nesse conceito, pois pressupõe o uso econômico dos dados ao longo de seu ciclo de vida.
Essa compreensão afasta interpretações reducionistas segundo as quais apenas a venda direta de bases de dados estaria sujeita à LGPD. Atividades como publicidade comportamental, perfilamento algorítmico, data analytics, enriquecimento de bases e parcerias comerciais configuram tratamento e demandam observância integral da legislação, inclusive quanto às bases legais e aos direitos dos titulares.
Princípios da LGPD como Limites Estruturais da Economia dos Dados
O artigo 6º da LGPD estabelece princípios que funcionam como verdadeiros vetores interpretativos e limitadores da monetização. A finalidade exige que o tratamento ocorra para propósitos específicos, explícitos e legítimos, vedando usos genéricos ou posteriores incompatíveis com o contexto original da coleta.
A adequação reforça a necessidade de compatibilidade entre a finalidade informada e o tratamento efetivamente realizado, enquanto a necessidade impõe a minimização de dados, restringindo a coleta ao estritamente necessário. A transparência, por sua vez, exige que o titular compreenda de forma clara como seus dados são utilizados para fins econômicos, o que afasta práticas baseadas em termos excessivamente técnicos ou obscuros.
Esses princípios transformam a monetização em uma atividade juridicamente condicionada, cujo descumprimento pode caracterizar infração independentemente da base legal formalmente indicada.
O Consentimento na Coleta de Dados e Seus Limites Estruturais
O consentimento, previsto no artigo 7º, inciso I, da LGPD, figura como uma das bases legais mais utilizadas na economia dos dados, especialmente em ambientes digitais. Contudo, sua validade depende de requisitos rigorosos: deve ser livre, informado, inequívoco e específico.
No contexto da monetização, surgem questionamentos relevantes sobre a efetiva liberdade do consentimento, sobretudo quando ele é condicionado ao acesso a serviços essenciais ou apresentado como requisito obrigatório para uso da plataforma. A literatura jurídica e as orientações da ANPD indicam que consentimentos genéricos ou obtidos por meio de práticas de design manipulativo (dark patterns) comprometem sua legitimidade.
Além disso, a exigência de revogabilidade do consentimento, prevista no artigo 8º, §5º, da LGPD, impõe desafios técnicos significativos para modelos de negócio baseados em tratamento contínuo de dados, exigindo mecanismos capazes de interromper o uso econômico sem prejuízo aos direitos do titular.
Legítimo Interesse e Monetização: Uma Base Jurídica de Alta Complexidade
Diante das limitações do consentimento, muitas organizações recorrem ao legítimo interesse, previsto no artigo 7º, inciso IX, da LGPD, como fundamento para monetização indireta. Todavia, essa base legal exige avaliação criteriosa, considerando a expectativa razoável do titular e a inexistência de prejuízo aos seus direitos e liberdades fundamentais.
A ANPD, em seu Guia Orientativo sobre Legítimo Interesse, destaca que essa base não pode ser utilizada como autorização genérica para exploração econômica, especialmente em atividades invasivas como perfilamento comportamental, publicidade intensiva e compartilhamento amplo com terceiros. O uso do legítimo interesse demanda análise contextual, salvaguardas adicionais e documentação que demonstre a proporcionalidade do tratamento.
Compartilhamento de Dados e Governança de Responsabilidades
O compartilhamento de dados com terceiros representa um dos pontos mais sensíveis da monetização. A LGPD exige a definição clara dos papéis dos agentes de tratamento controlador, operador ou controlador conjunto, bem como a formalização de contratos que estabeleçam finalidades, limites e medidas de segurança.
A ausência de governança nesse processo compromete a accountability e pode resultar em responsabilização solidária, especialmente quando o titular não possui meios efetivos de identificar quem utiliza seus dados e para quais propósitos econômicos. O compartilhamento opaco ou excessivo tende a ser visto como violação dos princípios da transparência e da necessidade.
Anonimização como Estratégia Jurídica e Técnica de Redução de Risco
A anonimização, nos termos do artigo 5º, inciso XI, da LGPD, é frequentemente apresentada como solução para viabilizar a monetização fora do escopo da lei. Contudo, a legislação brasileira adota conceito técnico rigoroso, exigindo que a reidentificação seja inviável por meios razoáveis e disponíveis.
Estudos técnicos da ANPD ressaltam que técnicas frágeis, reversíveis ou passíveis de reidentificação por cruzamento de bases não afastam a incidência da LGPD. Assim, a anonimização eficaz demanda avaliações técnicas contínuas, governança e controle sobre riscos de reidentificação, sob pena de exposição regulatória.
Relatório de Impacto à Proteção de Dados como Instrumento de Accountability
Em cenários de monetização que envolvam grande volume de dados, perfilamento, dados sensíveis ou tratamento de dados de crianças e adolescentes, o Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD) assume papel central. O RIPD permite mapear riscos, justificar escolhas técnicas e jurídicas e demonstrar diligência perante a ANPD.
Mais do que instrumento formal, o RIPD contribui para o alinhamento entre estratégia econômica e proteção de direitos fundamentais, funcionando como mecanismo preventivo de mitigação de riscos regulatórios e reputacionais.
Conclusão
A economia dos dados é compatível com a LGPD desde que estruturada a partir de bases jurídicas sólidas, princípios rigorosamente observados e mecanismos efetivos de governança. A monetização de dados pessoais não pode se apoiar em consentimentos frágeis, legítimo interesse genérico ou práticas opacas de compartilhamento.
Em um cenário de amadurecimento regulatório, a sustentabilidade dos modelos econômicos baseados em dados dependerá da capacidade das organizações de integrar proteção de dados, segurança da informação e estratégia de negócio. Monetizar dados, à luz da LGPD, exige não apenas inovação tecnológica, mas responsabilidade jurídica e ética.
Referências
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm
https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/anpd-lanca-guia-orientativo-sobre-legitimo-interesse
https://www.gov.br/anpd/pt-br/centrais-de-conteudo/materiais-educativos-e-publicacoes/guia-orientativo-cookies-e-protecao-de-dados-pessoais.pdf
https://www.gov.br/anpd/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos-tecnicos-orientativos/estudo_tecnico_sobre_anonimizacao_de_dados_na_lgpd___analise_juridica.pdf
https://www.gov.br/anpd/pt-br/canais_atendimento/agente-de-tratamento/relatorio-de-impacto-a-protecao-de-dados-pessoais-ripd
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